segunda-feira, maio 29, 2006

Bandas Filarmónicas v. Conservatório Nacional

A parceria existente entre Bandas Filarmónicas (BF) e o Conservatório Nacional (CN), conta já com várias décadas de existência. Quais são os pontos positivos e negativos desta parceria?

Pontos Positivos da parceria BF/CN
1. Graças às BF as classes de sopros do CN têm sempre um elevado número de candidatos nas provas de admissão. Isto tem duas consequêcias claras:
1.1. A média do número de alunos por classe mantém-se estável todos os anos,
1.2. A qualidade média dos candidatos e dos alunos sobe.

2. Para as BF a possibilidade de colocar músicos seus no CN cria dois tipos de sinergias:
2.1. Por um lado, os alunos ao ficarem motivados com a hipótese de vir a estudar no CN trabalham mais, estudam mais, o que melhora o seu desempenho musical,
2.2. Por outro lado, quanto maior for o número de elementos da BF que estiver a estudar no CN, melhor será o desempenho da BF como um todo, e melhor será também o nível médio dos seus executantes.

3. Os alunos do CN que iniciaram os seus estudos nas BF demonstram um elevado grau de desempenho ao nível da leitura de ritmo com nome de notas associado, vulgarmente chamado de Solfejo. Este aspecto permite, numa primeira fase, um rápido desenvolvimento técnico ao nível do instrumento, podendo começar a tocar peças de maior nível de dificuldade mais rapidamente.

4. Os grupos instrumentais do CN beneficiam-se com a experiência do trabalho em grupo trazida pelos músicos que estudaram nas BF. Afinação de conjunto, atenção dirigida para o maestro, gestão dos níveis de stress em performance, e níveis de atenção e de empenho nos ensaios, ... são competências que os alunos vindos das BF trazem para o CN e que se traduzem na melhoria significativa da qualidade do trabalho efectuado nestas classes.

5. A experiência performativa adquirida no CN vai também ser de gande proveito para as BF. Visto que o trabalho desenvolvido no CN está orientado para uma formação mais individualizada, mais solística, fazendo desenvolver competências técnicas e musicais ao nível do instrumento, isso vai resultar num grande impacto para o trabalho efectuado nas BF. Tendo elementos com melhores capacidades técnicas e instrumentais:
5.1. Podem escolher um tipo de repertório mais difícil
5.2. As intervenções solísticas são de melhor qualidade


6. Ao contrário do que acontece com alguns alunos do CN que, em virtude de os pais não terem possibilidades financeiras para adquirir logo um instrumento, os alunos vindos das BF têm sempre um instrumento para trabalhar, que na grande maioria dos casos é fornecido (emprestado) pela própria Banda, evitando que o único contacto que o aluno tenha com o instrumento seja feito apenas uma vez por semana na aula com o professor. Conseguir ter um instrumento para trabalhar em casa é um aspecto muito positivo, porque vai proporcionar ao aluno uma evolução mais rápida.

7. Os alunos vindos das BF têm um número maior de factores de motivação, quando comparados com a média dos alunos da CN. Estes são:
7.1. Os músicos mais velhos funcionam claremente como modelos a seguir,
7.2. Devido à experiência obtida na BF, são mais capazes para estabelecer objectivos e metas pessoais, para o seu desenvolvimento musical e instrumental,
7.3. Têm colegas e companheiros com quem se podem comparar regularmente, e por essa via medir o seu grau de desempenho/evolução pessoal,
7.4. A música não existe apenas uma ou duas vezes por semana na sua vida. Os ensaios e os concertos com a banda fazem aumentar o tempo de contacto com a música,
7.5. Os concertos com a BF são metas aliciantes com baixo nível de stress individual, e que por essa razão geram elevados níveis de motivação.

8. Os alunos que pertencem a uma BF estão por consequência inseridos numa comunidade musical. As relações pessoais de amizade que se criam por causa da música geram uma visão da música e de tocar/fazer música que muitos dos alunos do CN (que não tiveram nunca este tipo de contacto) não conseguem entender com facilidade. No contacto com outros alunos com outros tipos de formação (nas classes de música de câmara ou nas formações instrumentais e orquestrais do CN), este tipo de vivência e de postura perante a música é partilhada com os colegas, criando uma réplica de interacção que se aproxima da que é vivenciada nas BF.

Pontos a melhorar na parceria BF/CN
1. Com as responsabilidades de montagem de repertório para concertos que as BF têm, muitas vezes descuram-se este tipo de pormenores, tais como a afinação e a qualidade tímbrica, em deterimento da velocidade de leitura das notas e a velocidade de execução.

2. Apesar de ser positivo o que foi realçado acerca dos instrumentos que as BF fornecem aos seus músicos para estudar, é preciso dizer também que muitos deles são de fraca qualidade ou estão muitas vezes a necessitar urgentemente de reparação. Esta é uma das maiores queixas dos professores de instrumento do CN.

3. Visto que o trabalho de leitura efectuado nas BF incide sobretudo na descodificação das células rítmicas e do nome das notas, os professores de FM do CN detectam nos alunos vindos das BF níveis baixos de compreensão auditiva nos níveis melódico e harmónico.

4. Visto que a formação instrumental numa BF está orientada para a prática de conjunto, não havendo muitas vezes uma orientação cuidada e indivuidualizada ao nível da aprendizagem do instrumento; muitas vezes surgem no conservatório com muitos vícios e problemas técnicos que levam muito tempo a corrigir por parte dos professores de instrumento.

5. Visto que nas BF a formação é instrumental a 100%, há a tendência de desvalorizar o papel da voz na aprendizagem de competências musicais. Muitos alunos vindos das BF, quando se lhes pede que cantem nas aulas de FM, acham estranho, ficam confusos ou envergonhados. Contudo a experimentação vocal é crucial para a aprendizagem da música.

6. Há frequentemente uma discrepância entre a idade do candidato vindo da BF e a qualidade instrumental ou musical que apresenta. Apesar de se notar uma ligeira inflexão no sentido da faixa etária para um crescente número de candidatos com idades mais baixas, há ainda um elevado número de candidatos ao CN com idades entre os 16 e os 25 anos que apresenta um nível instrumental conseideravelmente baixo.

7. Visto que a actividade musical dos elementos das BF é elevada, verifica-se muitas vezes que há pouca disponibilidade (mental e temporal) por parte destes elementos para a participação nas actividades musicais do CN. Imagino que os responsáveis das BF possam queixar-se do mesmo em relação aos elementos que frequentam o CN.

8. Visto que no mapa da distribuição das BF a grande maioria não se localiza perto das instalações do CN, algumas até situadas a mais de 100Km de distância; uma das dificuldades recorrentes prende-se com a deslocação até ao CN, e também com a compatibilidade com horários das escolas de cada criança. Uma consequência deste problema é muitas vezes a falta de rendimento por parte do aluno devido ao cansaço da viagem, ou porque teve de se levantar muito cedo para estar no CN a horas.

Alteração na estrutura de admissões do CN
Para finalizar, é preciso salientar que a vida do CN tem sofrido grandes mudanças nos últimos anos. Essas mudanças passam:
1. Por uma maior abertura para a inclusão de alunos com idades mais baixas
2. Por uma redistribuição da estrutura discente, valorizando cada vez mais o peso da formação ao nível das cordas.

Estas mudanças têm produzido já algumas alterações na relação entre BF e CN:
1. Os candidatos vindos das BF são cada vez mais novos,
2. O peso dos alunos vindos das BF nos instrumentos de sopro tem vindo a diminuir nos últimos anos,
3. Os candidatos vindos das BF já não prestam provas apenas para os instrumentos de sopro ou percussão típicos da formação das BF, mas candidatam-se simultaneamente aos instrumentos de corda e piano.

Estas alterações, vão ter (se não tiveram já) implicações na estrutura das BF, e por consequência na relação entre BF e CN. Portanto, da próxima vez que uma conferência com esta temática se fizer, muitos dos pontos aqui referidos acerca desta parceria já terão sofrido na altura uma mudança significativa.



quinta-feira, maio 18, 2006

Expressividade

É comum pensar-se que as crianças ou os alunos só conseguem tocar de forma expressiva se houver neles alguma propensão genética para a 'musicalidade' (que é um conceito vago, ambíguo e para o qual reservaremos um post específico mais à frente). Nesta perspectiva, nada (ou muito pouco) do que o professor fizer vai influenciar o desenvolvimento destas competências.

Contudo, há estudos recentes ao nível da Psicologia da Música, um dos quais coordenados pelo investigador Eric Clarke (University of Sheffield), que permitem determinar qual a composição da expressividade, ou definir em termos objectivos e práticos o que são as competências expressivas (Clarke, 1995).

A conclusão desse estudo, que permite transformar um ficheiro midi (completamente inexpressivo) numa interpretação musical ao nível de um pianista de concerto, ajuda-nos a perceber que a expressividade não é um enigma ou um mistério impossível de determinar e por consequência impossível de ensinar, como muitos professores querem fazer crer.

Ao invés, a expressividade não só é observável, mensurável como é possível definir e estruturar os elementos que a compõem. Assim sendo, esse conhecimento pode ser aprendido e deve ser ensinado. Não é fruto do acaso genético.

Clarke, E. (1995) Expression in performance: generativity, perception and semiosis. In Rink, J. (Ed.), The Practice of Performance - Studies in Musical Interretation. New York: Cambridge University Press

http://www.shef.ac.uk/music/staff/academic/eric-clarke/research.html
http://www.shef.ac.uk/music/staff/academic/eric-clarke/publications.html
http://www.charm.rhul.ac.uk/content/staff/ec.html
http://www.personal.leeds.ac.uk/~muswlw/pubs/lwperf2.html
http://www.cup.cam.ac.uk/us/catalogue/catalogue.asp?isbn=0521619394

segunda-feira, maio 15, 2006

Métodos e Pedagogos

Muitos professores de música sentiram a necessidade de aprender um ou mais métodos, teorias de ensino/aprendizagem, metodologias... ou apenas informar-se acerca deste ou daquele pedagogo ou teórico, para desenvolverem competências de ensino que os faria melhor preparados para dar aulas.

Contudo, é recorrente observar que os métodos/teorias são apresentados (todos eles) como ideais, infalíveis e os pedagogos como 'sábios' insuspeitos, reprimindo assim, de certa forma, o desenvolvimento do espírito crítico e de uma opinião pessoal por parte do professor sobre o dito método e pedagogo.

No entanto, para um professor ser bem sucedido no seu trabalho como formador precisa, mais do que conhecer como funcionam os métodos ou as teorias, compreender os princípios pedagógicos, as motivações psicológicas e os objectivos procedimentais por detrás de cada método/teoria. Só dessa forma saberá como aplicar esse método ou essa teoria às necessidades específicas de aprendizagem que cada criança/aluno demanda.

segunda-feira, maio 08, 2006

Ouvir o baixo

É uma tendência natural, a de prestar atenção à melodia mais aguda em deterimento dos outros elementos melódicos que possam surgir em simultâneo. Portanto, pode dizer-se que a capacidade para ouvir e entender o baixo, ou a linha melódica mais grave de um excerto musical, não surge pelo mero contacto com o som, mas depende de uma aprendizagem orientada, formal.

Para fazer desenvolver esta competência, o professor tem de ensinar a 'focar' a atenção dos alunos na linha mais grave. Um modo mais simples do que apenas tocar um agregado ou um acorde e pedir para cantar a nota mais grave, passa por tocar um encadeamento de acordes onde a linha do baixo tenha características melódicas próximas das que costumam surgir nas vozes mais agudas (graus conjuntos e eventualmente saltos de 3ª), e não as que são mais comuns (saltos de 4ª e 5ª - V - I - IV). Desse modo vai ser mais fácil para os alunos: 1. 'focarem' a atenção e 2. não perderem o 'contacto' com a linha do baixo.
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