quinta-feira, março 30, 2006

A memória de um Instrumentista II

Como é possível articular tanta informação numa performance?

Quando um intrumentista (ou aspirante a instrumentista) lê ou estuda/aprende uma peça nova, o que faz é assimilar toda a informação (visual, motora, auditiva) relacionada com essa nova peça. De uma forma um pouco simplista o que fazemos, dado que seria impossível memorizar de forma isolada ou separada cada informação (cada movimento do dedo, cada nota, cada célula rítmica, cada acorde...) é articular e compactar blocos de informação. Quando um instrumentista é chamado a executar a peça, o que na realidade faz é descompactar blocos de informações e de comandos, bloco por bloco, pela ordem que foram estruturados previamente.

quarta-feira, março 29, 2006

A memória de um instrumentista

O que tem de guardar a memória de um instrumentista?

Tem de guardar uma estrutura complexa de informações auditivas, visuais e cinestésicas, que são activadas no momento de executar uma peça no seu instrumento.

As informações auditivas de que estamos a falar envolvem: contorno melódico, qualidade tímbrica, movimento harmónico, ritmo, intensidade, condução de vozes, afinação ... que por sua vez estão ligadas com as informações visuais que lhe estão associadas: a notação, a posição da mão, a distância do dedo, ... e com as informações cinestésicas que lhe estão associadas: a pressão dos dedos, o controlo da respiração, a velocidade da digitação, a pressão dos lábios, o balanço do corpo... tudo efectuado ao nível da motricidade fina.

Qual é o segredo da articulação de informação tão vasta e complexa?

domingo, março 19, 2006

O dilema da escolha do instrumento... II

Pode parecer estranho, mas há escolas públicas de ensino especializado de música que no acesso exigem que ciranças entre os 6 e os 8 anos de idade: 1. saibam que instrumento vão querer aprender e/ou 2. saibam tocar 'peças' preparadas na altura da realização a prova.

Ao fazer isto, as escolas estão promover duas coisas:
1. O recurso por parte dos encarregados de educação a professores particulares para ensinar a criança a 'tocar qualquer coisa no instrumento' para depois poder apresentar na prova... (eu pergunto-me se esse tipo de formação não caberia já à escola pública de ensino especializado!)
2. Como o conhecimento dos pais ao nível dos instrumentos é limitado, dá-se um fenómeno consequente => há uma concentração de candidaturas em instrumentos tais como o piano ou o violino, ficando outros instrumentos de menor projecção e visibilidade pública, tais como a violeta, o oboé e o fagote com um menor número de candidatos e eventualmente com candidatos de menor potencial de aprendizagem.

As consequências para a escola, verificam-se ao nível da distribuição dos alunos pelos diferentes instrumentos, e consequentemente no seu equilíbrio conjuntural. No entanto, o problema maior a registar tem que ver com os índices de desistência dos alunos ao longo do percurso escolar. São necessários elevados índices de motivação, muitas horas de trabalho e estudo. Quantos são os que, tendo sido de certa forma obrigados a escolher um instrumento com 6, 7 ou 8 anos, conseguiram prosseguir os seus estudos de modo a atingir um nível superior de formação?

As escolas públicas de ensino especializado precisam de rever urgentemente a sua estratégia de admissão de novos alunos ao nível das iniciações.

sexta-feira, março 17, 2006

O dilema da escolha do instrumento...

A escolha de um instrumento depende de factores passionais.

No panorama que encontramos hoje nas escolas de ensino especializado, onde há um crescente número de admissões por parte de crianças, os factores passionais são sobretudo determinados pelos factores passionais dos pais. Assim, a escolha recai usualmente no instrumento que o pai ou a mãe gostariam de ter estudado, aprendido, ou que por alguma outra razão emocional (e financeira) escolhem para os filhos. Este lamentável processo de projecção prejudica as crianças, na medida em que o trabalho e o estudo que são necessários para desenvolver competências técnicas e musicais estão presos por um fio ténue que é: querer agradar ao pai/mãe.

Os resultados serão superiores a todos os níveis (evolução técnica e musical, níveis superiores de quantidade/qualidade de trabalho efectuado em casa, motivação para vencer barreiras técnicas e musicais...) se a escolha de um instrumento por parte de uma criança corresponder às suas paixões. Para poder fazer uma escolha consciente a criança, idealmente, deverá ouvir e experimentar um largo leque de instrumentos.

Quantos de nós não teríamos escolhido conscientemente outro instrumento para estudar, se tivessemos a oportunidade de escolha quando começámos os nossos estudos?

quinta-feira, março 16, 2006

Por onde começar?

Primeiro de tudo, e antes sequer de pensar em estudar um instrumento, deverá, quem estiver interessado em aprender música, aprender a escutar. Isto implica aprender a ouvir, reconhecer, comparar, identificar, entender (sensorialmente) os elementos que compõem a música.

Se tentar aprender um instrumento sem antes compreender como funciona o som nas suas diversas vertentes (rítmica, melódica e harmónica), terá então enormes probablilidades de não ter sucesso na sua aprendizagem.

quarta-feira, março 15, 2006

O que é 'saber música'?´II

Poderíamos colocar a questão ainda de outra forma: O que é 'saber português?' Compreender e articular frases numa qualquer língua, não implica que para isso tenha de se saber ler ou escrever. Não se discutem aqui as vantagens práticas que daí adviriam, mas de facto, que alguém só é capaz de ler, escrever e entender o que leu ou escreveu se 'souber português'.

Portanto, saber a respeito de uma língua, significa (em termos simplificados) que compreende a sintaxe e o vocabulário dessa língua, e que de alguma forma consegue usar esse vocabulário e as regras de formulação sintática para comunicar, exprimir em sentenças aquilo que pensa ou deseja.

Embora a música não seja em todas as vertentes similar a uma qualquer língua materna, possui no entanto muitas características similares. Uma dessas similitudes tem que ver com o tema em discussão: Não é a compreensão do código escrito que determina a compreensão dos fenómenos musicais.

Alguém que 'sabe música' usa as ferramentas musicais necessárias para interpretar, compreender e produzir 'discurso musical' nas suas mais variadas formas.

O que é 'saber música'?

'Saber música' é uma expressão do quotidiano e que é vulgarmente utilizada para identificar alguém que sabe ler a notação músical. Algumas pessoas acham que até conseguem tocar algumas melodias num qualquer instrumento, mas como não conseguem entender a notação rítmica, ou descobrir as notas escritas numa partitura em clave de fá, concluem prontamente que não sabem música.

Esta ideia tão enraizada na sociedade que o 'saber música' está associado à compreensão da notação musical tem origem, em parte, na mudança de plano que a música e os músicos passaram a ter em meados do século XIX. Está também relacionada com os elevados níveis técnicos e musicais que são exigidos para tocar a música dos nossos dias. A importância crescente dada quer à história quer aos objectos históricos, fez crescer também o valor relativo daquilo que em tempos foi simplesmente o 'registo escrito' para fins práticos para níveis muito próximos da sacralização.

No entanto, estará o conceito vulgar desta expressão correctamente aplicado?

Se pensarmos que a música é um fenómeno cuja compreensão e execução depende de sensações auditivas, e que alguém que toca um instrumento (seja ele qual fôr, qualquer que seja o tipo de música) em termos práticos o que faz é manipular o instrumento de modo a produzir o tipo de construção sonora que deseja (ao nível da melodia, da harmonia, ou do ritmo...), mesmo que o faça sem o recurso à descodificação da partitura!, não será essa pessoa alguém que 'sabe música'?

terça-feira, março 14, 2006

Aprender música?

Há, espalhada no ar, a sensação que conseguir aprender música é um feito quase divino. Razões para crer nisso? São muitas as que são evocadas: Uma notação estranhíssima, um tipo de compreensão dos diversos fenómenos sonoros que escapa à população que não estudou música (eu diria mesmo que escapa até a parte da população que estudou música), uma capacidade para manipular os complexos movimentos físicos associados à execução de um instrumento musical, e assim por diante.

Porém, não é essa a minha impressão do assunto, e pretendo explicar as razões pelo tempo que este blog durar.
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