sexta-feira, janeiro 25, 2008

O Fim do Conservatório

O Ministério da Educação parece estar decidido a modificar as competências das escolas de ensino especializado, públicas e privadas.

A confirmarem-se a retirada das Iniciações Musicais (que está na base da melhoria significativa da qualidade dos alunos que chega ao ensino superior), e a oportunidade para crianças que, apesar de terem níveis de desempenho elevado, querem seguir outra actividade a nível profissional que não relacionado com música; os Conservatórios serão deixados ao abandono de poucos alunos, nem sempre com potencial para estudar música a um nível elevado, mas que desejarem frequentar num regime integrado.

Isto quer dizer, portanto, que vão sobrar professores (está resolvida a questão dos professores contratados!!, e até mesmo alguns professores dos quadros de nomeação definitiva poderão estar em apuros), com tão poucos alunos que vão sobrar.

Nas escolas particulares, onde o Ministério da Educação conta retirar o valor que entrega às escolas por aluno, as mensalidades tenderão a duplicar ou triplicar! Serão poucos os pais com desafogo financeiro para suportar 250 a 300 euros por mês (por criança), só para poder estudar piano, fagote ou violino numa escola de ensino especializado. Portanto, não será no ensino particular que os professores poderão encontrar abrigo.

O ensino superior também vai sofrer, visto que uma carreira ligada à música em Portugal passará a não oferecer quaisquer possibilidades de futuro. Será de prever um decréscimo acentuado de alunos no ensino superior dentro de dois ou três anos.

Qual o futuro para quem gastou os melhores anos da sua vida a estudar música, na perspectiva de encontrar aí uma forma digna para viver?

A criatividade na busca de soluções alternativas no âmbito do ensino da música será a chave! Estamos a tornar-nos cada vez mais Anglófonos no que diz respeito à aprendizagem da música. A caminharmos desta forma, dentro de alguns anos, uma qualquer escola preparatória e secundária terá autonomia para elaborar os seus planos de estudo, contratar os professores que mais lhe interessam, e teremos um ensino especializado individualizado, e espalhado por diversas escolas.

Os professores que ainda restarem nessa altura, serão itinerantes, multifacetados (terão de ser capazes de ensinar a ler, cantar, tocar clarinete, sax e fagote!!), terão alunos espalhados por diversas escolas, e viverão na angústia de nunca saberem com a antecedência necessária o que farão no ano lectivo seguinte, onde vão ensinar, quantos alunos terão, e quanto vão ganhar.

Espero que este texto seja alvo de troça daqui a uns meses.

Seria um bom sinal para todos quantos vivem do ensino da música em Portugal.

sexta-feira, janeiro 18, 2008

A importância do Jogo na Aprendizagem Musical

Escola Superior de Educação (Santarém)

Seminário

Janeiro, 2008


Introdução

Em virtude do peso que a tradição tem no Ensino da Música, a aprendizagem musical é usualmente vista pela maioria das pessoas, incluindo professores, como estando associada a uma imagem rígida e formal.

Visto que a aquisição de competências musicais depende de elevados níveis de concentração, de esforço continuado, e de resiliência pessoal para superar dificuldades, é absolutamente normal que esta associação entre aprendizagem musical e prazer (que pode derivar das próprias actividades de aprendizagem ou resultar do efeito obtido ao cantar uma canção ou ao vencer um desafio) seja ténue, ou até mesmo inexistente, como podem comprovar as crianças que todos os anos desistem de estudar música.

Como se pode inverter este estado de coisas no Ensino da Música? Uma das formas mais eficazes é por ajudar professores e alunos a mudarem a sua perspectiva em relação à aprendizagem musical propriamente dita.

O Jogo

A palavra Jogo, está usualmente associada a entusiasmo e divertimento. O filósofo/historiador holandês Johan Huizinga (1938) apresentou uma definição de Jogo muito interessante:

“Jogo é uma actividade voluntária exercida dentro de determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria, e de uma consciência de ser diferente da vida quotidiana”.

Na definição de Huizinga, há a salientar 5 aspectos importantes:

1. O facto de implicar uma participação activa (a actividade não existe com agentes com uma participação passiva)

2. O carácter voluntário da participação na actividade (nunca ninguém joga forçado)

3. A existência de regras e de um objectivo, uma meta a atingir que é conhecido de todos

4. O misto de tensão e de alegria envolvidos na actividade

5. O facto de ser uma actividade ‘especial’, visto que aparenta fazer parte de uma outra dimensão (diferente da realidade) onde o erro e a falha não têm qualquer importância real

São estas as razões que levam as crianças a gastar horas em jogos de consolas e de computador.

Como professores de música e educadores, como podemos fazer com que as nossas aulas tenham um impacto similar nas crianças? Como podemos fazer com que se sintam vontade de repetir as actividades vezes sem conta?

Perspectiva Tradicional

Na Iniciação Musical o conceito de Jogo (na aprendizagem) está muitas vezes associado ao prazer que se espera que as crianças derivem de determinadas actividades. As sugestões mais comuns dadas por pedagogos e incluídas em manuais de referência incluem actividades tais como jogos com cores, com bonecos, com desenhos.

Contudo, este tipo de actividades apesar de poderem cativar a atenção das crianças, não são actividades musicais, nem desenvolvem competências musicais.

Se quisermos fazer Jogos com valor real para aprendizagem musical, teremos em pegar em actividades lúdicas e transformá-las em jogos ‘musicais’.

No entanto, abordar a Educação Musical na perspectiva do Jogo envolve muito mais do que escolher actividades musicais que proporcionem às crianças prazer na aprendizagem.

Perspectiva Adicional

A aquisição de competências musicais, implica que as mesmas actividades sejam repetidas muitas vezes. Isto é particularmente importante ao trabalhar com crianças e com grupos. As crianças em geral precisam que se lhes sejam dadas muitas oportunidades para experimentar e aprender. Além disso, quando trabalhamos com grupos temos de levar em conta que há crianças com diferentes ritmos de aprendizagem.

Portanto, tão ou mais importante que escolher actividades que tenham um formato similar aos jogos do imaginário das crianças, será adoptar uma perspectiva de formação que desvalorize o erro, que estimule a descoberta e que consiga conter o grau adequado de desafio.

Desvalorizar o erro – Por defeito da profissão (visto que a avaliação de desempenho e a medição do progresso e do desenvolvimento dos alunos fazem parte do dia-a-dia dos professores e educadores), há uma tendência generalizada para contabilizar o erro no processo de formação.

No entanto, adotar na aprendizagem musical uma perspectiva similar à que existe num jogo, implica encarar os erros dos alunos como parte importante do processo de aprendizagem, retirar-lhe toda a carga negativa. Visto que a aprendizagem é em parte um processo de busca individual, é somente vital que as crianças não tenham medo de falha/errar ao longo desse processo.

Estimular a descoberta – Em virtude de haver hoje tanta informação sobre o desenvolvimento cognitivo e musical das crianças sob a forma de sequências de aprendizagem (Gordon) e Taxonomias (Hargreaves), muitas vezes os professores e educadores tendem a reduzir a qualidade de estimulação das suas actividades. Uma das consequências usuais consiste na escolha de repertório com menor qualidade, e com menor interesse musical.

No entanto, adotar na aprendizagem musical uma perspectiva similar à que existe num jogo, implica escolher repertório (canções, acompanhamentos, lenga-lengas, obras para ouvir) com uma qualidade musical elevada e que cujo nível de complexidade estimule o interesse e a descoberta dos fenómenos musicais. É necessário sublinhar que o tipo de descoberta de a estimular (nas aulas de música) deve ser essencialmente musical e não de fenómenos não-musicais.

Adequar o grau de desafio – Encontrar o equilíbrio entre o grau de simplicidade e de complexidade adequados para as crianças, nem sempre é fácil. Requer perícia e, sobretudo, muita atenção por parte de professores e educadores para entender quando o tipo de actividade proposta é simples demais ou complexa demais.

Os jogos interessantes, e nos quais as crianças gastam mais tempo, são aqueles onde as crianças sentem que conseguem vencer as dificuldades que vão surgindo. Se os professores e educadores conseguirem que as suas actividades tenham o grau adequado de desafio para as crianças, isso vai levá-las a manter níveis de motivação elevados e a prolongar também níveis elevados de atenção.

Quando se conseguem desenvolver Actividades ou Jogos com estas características, a velocidade de aprendizagem musical, e de interesse pela música e pelos fenómenos musical aumenta grandemente.


Google