sexta-feira, junho 09, 2006

O valor da repetição

A aprendizagem de música depende essencialmente da aquisição de competências psico-motoras. Se na aprendizagem de uma disciplina do ensino regular (Biologia, Português, Física...) a aprendizagem de um conceito depende, na maioria dos casos, de uma exposição ou explicação dos fenómenos ou dos elementos associados a esse conceito, no caso do ensino da música (quer no ensino especializado, quer no não-especializado) a aprendizagem de conceitos e competências depende quase exclusivamente da qualidade e do número de repetições.

Número de repetições - Aplicando o PST (Production System Theory) à aprendizagem na música, percebemos que um comportamento ou uma competência só é adquirida, adicionada e incorporada, se o Sistema Cognitivo que controla a aquisição de comportamentos ou competências encarar esse comportamento ou competência como útil. Para o Sistema Cognitivo, o que determina a utilidade do comportamento ou da competência é o número de vezes que é repetido com sucesso. As competências a que nos referimos dizem respeito, quer às que os professores de instrumento desenvolvem como às que os professores de Formação Musical querem fazer desenvolver.

Qualidade das repetições - Recorrendo à mesma teoria, a aprendizagem de uma competência só se efectiva se todas as sub-competências que dela dependem já tiverem sido repetidas ao ponto de terem sido incorporadas com sucesso. [Pensando num caso prático, imagine que um aluno quer conseguir tocar uma escala, digamos de Dó Maior. Para que esta competência (hierárquicamente superior) possa ser adquirida com sucesso, é necessário que as competências dispostas nos níveis inferiores da hierarquia de complexidade tenham sido adquiridas/aprendidas com sucesso. Neste caso podemos imaginar o nível mais baixo da hierarquia deste exemplo contendo como competências iniciais ser capaz de associar a tecla/corda/posição a cada uma das notas que constituem a escala de Dó Maior.] Portanto, para haver sucesso na aquisição de uma competência tem de haver uma sucessiva repetição/integração das suas mais directas sub-competências.

Quando é que se conclui que o número de repetições é suficiente? Quando nos tornamos capazes de desempenhar a competência de uma forma reflexiva, sem efectuar qualquer tipo de esforço mental. No caso do Instrumento quando somos capazes de tocar uma peça, uma escala, um acorde ou uma nota sem qualquer tipo de esforço mental. No caso da Formação Musical quando somos capazes de entoar um intervalo, ler uma melodia ou percutir um ritmo sem fazer qualquer esforço mental.

Portanto, o que quer que tentemos aprender em música, só seremos bem-sucedidos dependendo da quantidade de tempo e esforço que gastamos em repetir.

N.A. - Para mais informações sobre o PST podem ser obtidas no livro:
[Sloboda, J. (1985) Musical Mind; Oxford University Press]

2 comentários:

Anónimo disse...

A questão da "qualidade" das repetições parece-me tão importante quanto a da quantidade - imagino que muito poucos alunos consigam sobreviver e efectivamente assimilar algo se as bases em que esse algo tem que se firmar não estiverem asseguradamente escoradas. E isto leva-me a reflectir na tão importante questão da afinação, vocal ou instrumental onde aplicável: se a repetição, digamos, da entoação de um intervalo for sistematicamente feita tendo por base um original cuja afinação não seja o mais perfeita possível, então a imagem mental que o aluno vai paulatinamente criando no seu "inconsciente sensoral" não corresponderá, em rigor, à realidade desse intervalo - se é que consegue criar uma imagem estável e duradoira... Portanto, não irá ficar de posse dessa "chave" para descodificar essa realidade sensorial quando ela se lhe apresentar.

Anónimo disse...

É de facto uma conclusão fantástica a questão da repetição na aprendizagem! Tão antiga e tão comprovada. Querer negar tal facto em nome da criatividade é um erro que se tem pago muito caro em educação. E qual é o papel do professor? Tem de ser o de dar sentido à repetição, ou seja utilidade!

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