terça-feira, novembro 14, 2006

Histórias de Cantar

Já está disponível o livro + CD com canções infantis (12 no total) mais aguardado do ano!

Margarida Fonseca Santos

Informações: Juventude Musical Portuguesa
Av. Da Liberdade, 13, 2º Dto. 1250-139 Lisboa
Tel. 213573131/Fax 213543330
www.jmp.pt
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O papel do ditado na aquisição de competências musicais

No ensino especializado, os ditados são estratégias usadas com frequência por muitos professores de música com o fim aparente de desenvolver competências musicais.

No entanto, e ao contrário do que muitos professores pensam, todo e qualquer ditado tem como único fim a medição do grau de desempenho do aluno nas diversas competências (melódicas, rítmicas, tonais, não tonais..). É relativamente fácil entender as razões que suportam esta ideia:
  1. Os mecanismos cognitivos envolvidos na tarefa são inversos aos usados para ler;
  2. Ao contrário da capacidade de ler, que é uma competência com um grau de utilidade muito elevada quando avaliamos aquilo que são as necessidades de aprendizagem de uma criança no ensino especializado, a capacidade de escrever não tem 'nenhum' valor prático óbvio e directo.
Daqui resultam também algumas implicações para a prática da Iniciação/Formação Musical:
  1. O tempo precioso que se gasta a fazer desenvolver os mecanismos associados à escrita, poderiam ser melhor utilizados se empregues no desenvolvimento de competências sensoriais e de leitura;
  2. O peso que é dado à escrita na avaliação de um aluno no ensino especializado está completamente afastado da noção de utilidade, valorizando e desviando a nossa atenção para uma competência 'inútil' em deterimento de outras com maior utilidade.
Portanto, defender que fazer ditados é importante para o desenvolvimento musical é estar afastado dos reais processos cognitivos envolvidos no acto de aprender música.

quarta-feira, outubro 25, 2006

Princípios de Pestalozzi para o Ensino da Música (1830)

Ao comparar os princípios pedagógicos elaborados por Pestalozzi (1830) com a prática da vasta maioria do ensino da música no nosso país, é fácil detectar um um grande distanciamento entre ambos. Contudo, os princípios abaixo descritos continuam actuais e são aplicáveis ao ensino da música, seja no contexto das aulas de formação musical como no contexto das aulas de instrumento.
  1. Ensinar sons antes dos sinais visuais, e fazer com que a criança aprenda a cantar antes de aprender as notas na pauta, ou os seus nomes.
  2. Orientar a criança para, ouvindo e imitando sons, prestar atenção ao seu efeito agradável e desagradável, em vez de explicar essas coisas por palavras. Numa só palavra: Ensinar de forma activa
  3. Ensinar apenas uma coisa de cada vez – ritmo, melodia e expressão, que devem ser ensinadas e praticadas separadamente, antes de a criança ser confrontada com a tarefa difícil de prestar atenção a todos os elementos ao mesmo tempo.
  4. Fazer com que a criança pratique cada passo até dominar esse passo com mestria. Quando chegar a este ponto pode passar para o próximo passo.
  5. Ensinar os princípios teóricos ou a teoria depois da prática.Analisar e praticar os elementos do som de modo a aplicá-las à música.
  6. Fazer corresponder o nome das notas (na pauta) às notas usadas na música instrumental
in (McPherson, P. (2002:99 - 113) The Science & Psychology of Music Perfomance; Oxford University Press)

terça-feira, outubro 10, 2006

Porque é tão frequente a relação entre a aprendizagem da música e a lingua materna?

FACTORES:

Porque ambas implicam a compreensão de fenómenos sonoros:

Na linguagem, essa compreensão passa:

  • pelo contacto com o som das palavras
  • pela atribuição de um significado ao som das palavras
  • pela manipulação do aparelho fonador (músculos) de maneira a produzir palavras
  • pela compreensão das regras de sintaxe pela experiência

Na música, essa compreensão passa:

  • pelo contacto com as propriedades do som (usualmente associados à cultura expecífica dos progenitores)
  • pelo manipulação (guiada) dos fenómenos musicais, utilizando para isso os músculos.
  • pela reconhecimento auditivo dos fenómenos sonoros
  • pela compreensão auditiva de regras formais, harmónicas, rítmicas, melódicas (implícitas na música)

Porque ambas implicam o domínio de competências:

  • Na linguagem, saber expressar-se implica articular músculos ao nível da motricidade fina (oromotricidade). Falar é uma actividade performativa.
  • Na música espera-se que quem aprende seja capaz de articular músculos ao nível da motricidade fina (vocal ou instrumental). Fazer música (tocar/cantar) é uma actividade performativa

Porque ambas se manifestam em três níveis:

  • Escuta/Oralidade
  • Leitura
  • Escrita

terça-feira, julho 04, 2006

O papel dos pais na aprendizagem II

No ensino especializado da música, onde o tipo de competências a desenvolver são complexas e envolvem muitas horas de estudo e persistência, o papel dos pais é vital para o sucesso da aprendizagem, independentemente de saberem ou não música.

Alguns dos aspectos que, tidos em conta pelos pais, influenciam positivamente o desempenho das crianças são:

1. Atenção dos pais centrada na criança, com particular ênfase no ensino da música

2. Organização das actividades dos pais centrada nos interesses, nas actividades e no tempo da criança

3. A música é valorizada na família

4. O ênfase dos pais está centrado no prazer de tocar/fazer música, e não numa carreira musical

5. Há lugar a elogios, mesmo quando há apenas pequenos sucessos

6. Cuidadosa selecção dos professores e monitorização do trabalho feito em casa

7. Investimento de uma considerável quantidade de tempo e esforço nas actividades musicais



Estudo realizado por Manturzewska em 1995, citado por: Heiner Gembris & Jane W. Davidson in (McPherson, P. (2002) The Science & Psychology of Music Performance; Oxford University Press



segunda-feira, junho 19, 2006

O papel dos pais na aprendizagem I

Os pais, sejam ou não músicos, desempenham um papel importante na aprendizagem de competências musicais por parte dos filhos. A questão da aprendizagem de competências e de desenvolvimento de aptidões começa muito cedo, visto que é amplamente conhecido que as crianças conseguem ouvir música e palavras nas últimas semanas de 'estadia' no ambiente intra-uterino e que conseguem reconhecer esses sons depois de nascerem.

O interesse que as crianças terão no som, na música e nos seus componentes variará consoante o grau de interacção musical e quase-musical que os pais desenvolvem com os seus filhos. O tipo de interacção musical mais eficaz acontece quando os pais cantam para o bebé, muito embora fazer ouvir música gravada ou ao vivo possam também seja positivo. O tipo de interacção quase-musical envolve a comunicação (vocal mas não-verbal) que os pais usam quando embalam, alimentam, brincam com as crianças. Diz-se quase-musical porque envolve parâmetros musicais: variação de altura sonora, timbre, melodia, ritmo, tempo e dinâmica. A interacção quase-musical termina quando o centro de atenção passa a ser a aquisição de linguagem.

No fundo, os pais que promovem este tipo de interacções educam-nas musicalmente (mesmo que de uma forma elementar), proporcionando às crianças uma compreensão sensorial dos fenómenos sonoros e musicais.

sexta-feira, junho 09, 2006

O valor da repetição

A aprendizagem de música depende essencialmente da aquisição de competências psico-motoras. Se na aprendizagem de uma disciplina do ensino regular (Biologia, Português, Física...) a aprendizagem de um conceito depende, na maioria dos casos, de uma exposição ou explicação dos fenómenos ou dos elementos associados a esse conceito, no caso do ensino da música (quer no ensino especializado, quer no não-especializado) a aprendizagem de conceitos e competências depende quase exclusivamente da qualidade e do número de repetições.

Número de repetições - Aplicando o PST (Production System Theory) à aprendizagem na música, percebemos que um comportamento ou uma competência só é adquirida, adicionada e incorporada, se o Sistema Cognitivo que controla a aquisição de comportamentos ou competências encarar esse comportamento ou competência como útil. Para o Sistema Cognitivo, o que determina a utilidade do comportamento ou da competência é o número de vezes que é repetido com sucesso. As competências a que nos referimos dizem respeito, quer às que os professores de instrumento desenvolvem como às que os professores de Formação Musical querem fazer desenvolver.

Qualidade das repetições - Recorrendo à mesma teoria, a aprendizagem de uma competência só se efectiva se todas as sub-competências que dela dependem já tiverem sido repetidas ao ponto de terem sido incorporadas com sucesso. [Pensando num caso prático, imagine que um aluno quer conseguir tocar uma escala, digamos de Dó Maior. Para que esta competência (hierárquicamente superior) possa ser adquirida com sucesso, é necessário que as competências dispostas nos níveis inferiores da hierarquia de complexidade tenham sido adquiridas/aprendidas com sucesso. Neste caso podemos imaginar o nível mais baixo da hierarquia deste exemplo contendo como competências iniciais ser capaz de associar a tecla/corda/posição a cada uma das notas que constituem a escala de Dó Maior.] Portanto, para haver sucesso na aquisição de uma competência tem de haver uma sucessiva repetição/integração das suas mais directas sub-competências.

Quando é que se conclui que o número de repetições é suficiente? Quando nos tornamos capazes de desempenhar a competência de uma forma reflexiva, sem efectuar qualquer tipo de esforço mental. No caso do Instrumento quando somos capazes de tocar uma peça, uma escala, um acorde ou uma nota sem qualquer tipo de esforço mental. No caso da Formação Musical quando somos capazes de entoar um intervalo, ler uma melodia ou percutir um ritmo sem fazer qualquer esforço mental.

Portanto, o que quer que tentemos aprender em música, só seremos bem-sucedidos dependendo da quantidade de tempo e esforço que gastamos em repetir.

N.A. - Para mais informações sobre o PST podem ser obtidas no livro:
[Sloboda, J. (1985) Musical Mind; Oxford University Press]

terça-feira, junho 06, 2006

Tornar objectiva a aprendizagem

O índice de desempenho dos professores melhora significativamente quando deixam de pensar no ensino/aprendizagem de uma forma vaga e subjectiva. Tornar o ensino objectivo implica, por um lado, estabelecer metas concretas (ao nível da aquisição de competências) para cada aluno, mas implica também fazer uma utilização inteligente do seu leque de estratégias.

Para poder fazer isto desta forma, o professor precisa, em primeiro lugar, desenvolver uma opinião positiva e uma relação saudável com os erros e as falhas dos alunos, não as encarando como impedimento ao seu bom trabalho mas como oportunidades para poder agir enquanto formador, adicionando-lhe a capacidade para concentrar a sua atenção no processo cognitivo que esteve na origem da falha ou do erro, de modo a que possa utilizar a estratégia adequada para a solução do problema.

segunda-feira, maio 29, 2006

Bandas Filarmónicas v. Conservatório Nacional

A parceria existente entre Bandas Filarmónicas (BF) e o Conservatório Nacional (CN), conta já com várias décadas de existência. Quais são os pontos positivos e negativos desta parceria?

Pontos Positivos da parceria BF/CN
1. Graças às BF as classes de sopros do CN têm sempre um elevado número de candidatos nas provas de admissão. Isto tem duas consequêcias claras:
1.1. A média do número de alunos por classe mantém-se estável todos os anos,
1.2. A qualidade média dos candidatos e dos alunos sobe.

2. Para as BF a possibilidade de colocar músicos seus no CN cria dois tipos de sinergias:
2.1. Por um lado, os alunos ao ficarem motivados com a hipótese de vir a estudar no CN trabalham mais, estudam mais, o que melhora o seu desempenho musical,
2.2. Por outro lado, quanto maior for o número de elementos da BF que estiver a estudar no CN, melhor será o desempenho da BF como um todo, e melhor será também o nível médio dos seus executantes.

3. Os alunos do CN que iniciaram os seus estudos nas BF demonstram um elevado grau de desempenho ao nível da leitura de ritmo com nome de notas associado, vulgarmente chamado de Solfejo. Este aspecto permite, numa primeira fase, um rápido desenvolvimento técnico ao nível do instrumento, podendo começar a tocar peças de maior nível de dificuldade mais rapidamente.

4. Os grupos instrumentais do CN beneficiam-se com a experiência do trabalho em grupo trazida pelos músicos que estudaram nas BF. Afinação de conjunto, atenção dirigida para o maestro, gestão dos níveis de stress em performance, e níveis de atenção e de empenho nos ensaios, ... são competências que os alunos vindos das BF trazem para o CN e que se traduzem na melhoria significativa da qualidade do trabalho efectuado nestas classes.

5. A experiência performativa adquirida no CN vai também ser de gande proveito para as BF. Visto que o trabalho desenvolvido no CN está orientado para uma formação mais individualizada, mais solística, fazendo desenvolver competências técnicas e musicais ao nível do instrumento, isso vai resultar num grande impacto para o trabalho efectuado nas BF. Tendo elementos com melhores capacidades técnicas e instrumentais:
5.1. Podem escolher um tipo de repertório mais difícil
5.2. As intervenções solísticas são de melhor qualidade


6. Ao contrário do que acontece com alguns alunos do CN que, em virtude de os pais não terem possibilidades financeiras para adquirir logo um instrumento, os alunos vindos das BF têm sempre um instrumento para trabalhar, que na grande maioria dos casos é fornecido (emprestado) pela própria Banda, evitando que o único contacto que o aluno tenha com o instrumento seja feito apenas uma vez por semana na aula com o professor. Conseguir ter um instrumento para trabalhar em casa é um aspecto muito positivo, porque vai proporcionar ao aluno uma evolução mais rápida.

7. Os alunos vindos das BF têm um número maior de factores de motivação, quando comparados com a média dos alunos da CN. Estes são:
7.1. Os músicos mais velhos funcionam claremente como modelos a seguir,
7.2. Devido à experiência obtida na BF, são mais capazes para estabelecer objectivos e metas pessoais, para o seu desenvolvimento musical e instrumental,
7.3. Têm colegas e companheiros com quem se podem comparar regularmente, e por essa via medir o seu grau de desempenho/evolução pessoal,
7.4. A música não existe apenas uma ou duas vezes por semana na sua vida. Os ensaios e os concertos com a banda fazem aumentar o tempo de contacto com a música,
7.5. Os concertos com a BF são metas aliciantes com baixo nível de stress individual, e que por essa razão geram elevados níveis de motivação.

8. Os alunos que pertencem a uma BF estão por consequência inseridos numa comunidade musical. As relações pessoais de amizade que se criam por causa da música geram uma visão da música e de tocar/fazer música que muitos dos alunos do CN (que não tiveram nunca este tipo de contacto) não conseguem entender com facilidade. No contacto com outros alunos com outros tipos de formação (nas classes de música de câmara ou nas formações instrumentais e orquestrais do CN), este tipo de vivência e de postura perante a música é partilhada com os colegas, criando uma réplica de interacção que se aproxima da que é vivenciada nas BF.

Pontos a melhorar na parceria BF/CN
1. Com as responsabilidades de montagem de repertório para concertos que as BF têm, muitas vezes descuram-se este tipo de pormenores, tais como a afinação e a qualidade tímbrica, em deterimento da velocidade de leitura das notas e a velocidade de execução.

2. Apesar de ser positivo o que foi realçado acerca dos instrumentos que as BF fornecem aos seus músicos para estudar, é preciso dizer também que muitos deles são de fraca qualidade ou estão muitas vezes a necessitar urgentemente de reparação. Esta é uma das maiores queixas dos professores de instrumento do CN.

3. Visto que o trabalho de leitura efectuado nas BF incide sobretudo na descodificação das células rítmicas e do nome das notas, os professores de FM do CN detectam nos alunos vindos das BF níveis baixos de compreensão auditiva nos níveis melódico e harmónico.

4. Visto que a formação instrumental numa BF está orientada para a prática de conjunto, não havendo muitas vezes uma orientação cuidada e indivuidualizada ao nível da aprendizagem do instrumento; muitas vezes surgem no conservatório com muitos vícios e problemas técnicos que levam muito tempo a corrigir por parte dos professores de instrumento.

5. Visto que nas BF a formação é instrumental a 100%, há a tendência de desvalorizar o papel da voz na aprendizagem de competências musicais. Muitos alunos vindos das BF, quando se lhes pede que cantem nas aulas de FM, acham estranho, ficam confusos ou envergonhados. Contudo a experimentação vocal é crucial para a aprendizagem da música.

6. Há frequentemente uma discrepância entre a idade do candidato vindo da BF e a qualidade instrumental ou musical que apresenta. Apesar de se notar uma ligeira inflexão no sentido da faixa etária para um crescente número de candidatos com idades mais baixas, há ainda um elevado número de candidatos ao CN com idades entre os 16 e os 25 anos que apresenta um nível instrumental conseideravelmente baixo.

7. Visto que a actividade musical dos elementos das BF é elevada, verifica-se muitas vezes que há pouca disponibilidade (mental e temporal) por parte destes elementos para a participação nas actividades musicais do CN. Imagino que os responsáveis das BF possam queixar-se do mesmo em relação aos elementos que frequentam o CN.

8. Visto que no mapa da distribuição das BF a grande maioria não se localiza perto das instalações do CN, algumas até situadas a mais de 100Km de distância; uma das dificuldades recorrentes prende-se com a deslocação até ao CN, e também com a compatibilidade com horários das escolas de cada criança. Uma consequência deste problema é muitas vezes a falta de rendimento por parte do aluno devido ao cansaço da viagem, ou porque teve de se levantar muito cedo para estar no CN a horas.

Alteração na estrutura de admissões do CN
Para finalizar, é preciso salientar que a vida do CN tem sofrido grandes mudanças nos últimos anos. Essas mudanças passam:
1. Por uma maior abertura para a inclusão de alunos com idades mais baixas
2. Por uma redistribuição da estrutura discente, valorizando cada vez mais o peso da formação ao nível das cordas.

Estas mudanças têm produzido já algumas alterações na relação entre BF e CN:
1. Os candidatos vindos das BF são cada vez mais novos,
2. O peso dos alunos vindos das BF nos instrumentos de sopro tem vindo a diminuir nos últimos anos,
3. Os candidatos vindos das BF já não prestam provas apenas para os instrumentos de sopro ou percussão típicos da formação das BF, mas candidatam-se simultaneamente aos instrumentos de corda e piano.

Estas alterações, vão ter (se não tiveram já) implicações na estrutura das BF, e por consequência na relação entre BF e CN. Portanto, da próxima vez que uma conferência com esta temática se fizer, muitos dos pontos aqui referidos acerca desta parceria já terão sofrido na altura uma mudança significativa.



quinta-feira, maio 18, 2006

Expressividade

É comum pensar-se que as crianças ou os alunos só conseguem tocar de forma expressiva se houver neles alguma propensão genética para a 'musicalidade' (que é um conceito vago, ambíguo e para o qual reservaremos um post específico mais à frente). Nesta perspectiva, nada (ou muito pouco) do que o professor fizer vai influenciar o desenvolvimento destas competências.

Contudo, há estudos recentes ao nível da Psicologia da Música, um dos quais coordenados pelo investigador Eric Clarke (University of Sheffield), que permitem determinar qual a composição da expressividade, ou definir em termos objectivos e práticos o que são as competências expressivas (Clarke, 1995).

A conclusão desse estudo, que permite transformar um ficheiro midi (completamente inexpressivo) numa interpretação musical ao nível de um pianista de concerto, ajuda-nos a perceber que a expressividade não é um enigma ou um mistério impossível de determinar e por consequência impossível de ensinar, como muitos professores querem fazer crer.

Ao invés, a expressividade não só é observável, mensurável como é possível definir e estruturar os elementos que a compõem. Assim sendo, esse conhecimento pode ser aprendido e deve ser ensinado. Não é fruto do acaso genético.

Clarke, E. (1995) Expression in performance: generativity, perception and semiosis. In Rink, J. (Ed.), The Practice of Performance - Studies in Musical Interretation. New York: Cambridge University Press

http://www.shef.ac.uk/music/staff/academic/eric-clarke/research.html
http://www.shef.ac.uk/music/staff/academic/eric-clarke/publications.html
http://www.charm.rhul.ac.uk/content/staff/ec.html
http://www.personal.leeds.ac.uk/~muswlw/pubs/lwperf2.html
http://www.cup.cam.ac.uk/us/catalogue/catalogue.asp?isbn=0521619394

segunda-feira, maio 15, 2006

Métodos e Pedagogos

Muitos professores de música sentiram a necessidade de aprender um ou mais métodos, teorias de ensino/aprendizagem, metodologias... ou apenas informar-se acerca deste ou daquele pedagogo ou teórico, para desenvolverem competências de ensino que os faria melhor preparados para dar aulas.

Contudo, é recorrente observar que os métodos/teorias são apresentados (todos eles) como ideais, infalíveis e os pedagogos como 'sábios' insuspeitos, reprimindo assim, de certa forma, o desenvolvimento do espírito crítico e de uma opinião pessoal por parte do professor sobre o dito método e pedagogo.

No entanto, para um professor ser bem sucedido no seu trabalho como formador precisa, mais do que conhecer como funcionam os métodos ou as teorias, compreender os princípios pedagógicos, as motivações psicológicas e os objectivos procedimentais por detrás de cada método/teoria. Só dessa forma saberá como aplicar esse método ou essa teoria às necessidades específicas de aprendizagem que cada criança/aluno demanda.

segunda-feira, maio 08, 2006

Ouvir o baixo

É uma tendência natural, a de prestar atenção à melodia mais aguda em deterimento dos outros elementos melódicos que possam surgir em simultâneo. Portanto, pode dizer-se que a capacidade para ouvir e entender o baixo, ou a linha melódica mais grave de um excerto musical, não surge pelo mero contacto com o som, mas depende de uma aprendizagem orientada, formal.

Para fazer desenvolver esta competência, o professor tem de ensinar a 'focar' a atenção dos alunos na linha mais grave. Um modo mais simples do que apenas tocar um agregado ou um acorde e pedir para cantar a nota mais grave, passa por tocar um encadeamento de acordes onde a linha do baixo tenha características melódicas próximas das que costumam surgir nas vozes mais agudas (graus conjuntos e eventualmente saltos de 3ª), e não as que são mais comuns (saltos de 4ª e 5ª - V - I - IV). Desse modo vai ser mais fácil para os alunos: 1. 'focarem' a atenção e 2. não perderem o 'contacto' com a linha do baixo.

sexta-feira, abril 28, 2006

Gestão de grupo

Ser eficaz e bem-sucedido ao dar aulas a uma turma é uma tarefa complexa e exigente para um professor, qualquer que seja a sua área de trabalho. Isto porque numa turma agregam-se ao acaso alunos com personalidades, formações e capacidades diferentes, exigindo portanto atenção e respostas diferenciadas por parte do professor.

Os bons manuais de pedagogia consideram que uma boa gestão da turma é vital para o sucesso escolar. Isso obriga o professor a estabelecer e gerir em simultâneo os objectivos do grupo e os objectivos individuais.

Como se isto não tivesse já dificuldade suficiente, no ensino da música acrescenta-se aos factores apresentados um factor extra: a desigualdade nas idades dos alunos. Quantas vezes os professores fazem um esforço hercúleo para fazer convergir, numa mesma turma, os objectivos de crianças com 9 anos e de alunos com 19/20 anos de idade? Já não bastava a complexidade do ensino da música em si!?

Quando isto acontece, e acontece frequentemente, a gestão de grupo está fortemente condicionada por uma gestão escolar de qualidade.

terça-feira, abril 25, 2006

Uma questão de modelos... II

A confirmar-se a mudança de modelo de ensino especializado de música, verificar-se-á uma mudança também no actual perfil do professor de música. Passará de professor integrado numa escola onde desenvolve a sua carreira, para um professor itinerante sem destino fixo, contratado anualmente em função das necessidades da escola.

Os professores que melhor se adaptarem a esta (eventual) nova realidade são os que terão maiores hipóteses de sucesso.

sábado, abril 22, 2006

Uma questão de modelos...

Hoje em dia a palavra 'conservatório' já não tem o fulgor, o vigor e o brilho de outros dias. Aquilo que foi o conservatoire no passado - escola pública de ensino de música na linha da boa tradição francesa de formação superior de talentos musicais - já não existe. O termo aplica-se hoje de forma mais ou menos branda por todo o país a um mar de escolas de música, umas mais qualificadas, outras menos.

Este é apenas um dos sinais que aponta para o progressivo afastamento em Portugal do
modelo francês do ensino da música, para se aproximar a passos largos do modelo inglês que lhe corresponde.

Este último entrega a responsabilidade da formação de músicos não a escolas especializadas de ensino básico e secundário de música, mas faz integrar na rede de escolas e colégios cursos de música para diferentes públicos alvo: uns mais especializados, outros menos. Para os que desejam uma maior especialização há aulas individuais para o estudo de um instrumento, formação e objectivos mais rigorosos. Para os restantes, há uma formação genérica de qualidade com um currículo adaptado à formação de público alvo que aprendeu música fazendo música (canta em coros, aprende instrumento em aulas de grupo, toca em bandas e orquestras de colégio...).

O último passo dado neste sentido foi o alargamento da carga horária das crianças na escola, e do número de horas lectivas para os professores. Como é que uma criança consegue depois de estar na escola/colégio até às 17/18h, ir para uma escola de ensino especializado, ter aulas de FM, coro, Instrumento, Orquestra.... e ainda assim ter tempo para estudar português, matemática e violoncelo?

A não ser revertido este processo, as soluções que se vão apontar nos próximos tempos (e que alguns colégios já encontraram, copiando o modelo inglês) apontarão para uma cada vez maior integração do ensino especializado da música nas actividades das próprias escolas.

quinta-feira, abril 20, 2006

A minha aluna não sabe ler!

Já há algum tempo que não era confrontado com esta questão pertinente, assunção que dita desta forma, só pode ser produzida por professores de instrumento absolutamente insatisfeitos com o trabalho (mau, como se pode depreender) feito pelo respectivo professor de Formação Musical.

Apesar das minhas dúvidas sobre o grau de responsabilidade que me é aplicado, sempre que um colega descarrega sobre os meus ombros a culpa do atraso de desenvolvimento dos seus alunos, não deixo de procurar confirmar ou desmentir a veracidade ou não da afirmação. E, não raro, encontro alunos com competências de leitura já desenvolvidas e usualmente alunos que ao nível da aprendizagem estão até avançados para a idade.

Então o que falha na maioria dos casos?

1. A transição/junção das competências de leitura às competências motoras que estão a ser adquiridas na aula de instrumento.

2. A falta de entendimento por parte de muitos professores para as características inerentes ao código musical, muito mais complexo que o código associado a uma língua.

3. O desejo de ter os alunos a ler bem e depressa desde cedo, passa para as crianças um nível de stress para as crianças que inibe o seu desempenho.

terça-feira, abril 11, 2006

Ensinar a ouvir.... III

A maior dificuldade é encontrar mecanismos que nos permitam aferir se a criança ou o aluno ouviu aquilo que nós queríamos que tivesse ouvido. Neste caso perguntas do tipo: "ouviste?" ou "compreendeste?" que forçam respostas do tipo "sim/não", não são nem fiáveis nem esclarecedoras para o professor.

Para aferir este tipo de aprendizagens é preciso transformar a estratégia de reprodução/imitação numa estratégia (prática) onde a criança resolve um problema ou procura de solução. Uma estratégia onde a criança seja chamada a utilizar a competência. O resultado mostrará se é necessário voltar ao nível de formação anterior e repetir todo o processo, ou se poderemos passar para o seguinte.

segunda-feira, abril 10, 2006

Ensinar a ouvir.... II

A preocupação do professor deve passar por dirigir, canalizar a atenção do aluno para o elemento sonoro que quer ensinar, bem como as características que o compõem.

Se quer ensinar a reconhecer auditivamente o modo maior, não pode distrair a atenção do aluno por dizer coisas do tipo: "não te parece mais feliz, mais alegre?". Ao fazer isto, a atenção do aluno vai transitar do som e das características que compõem aquele pedaço de música em modo maior, para sensações não musicais. Agir assim dificulta, e na grande maioria dos casos impossibilita, a aprendizagem desta competência.

O fenómeno aplica-se a qualquer aprendizagem relacionada com a aquisição de competências auditivas.

quinta-feira, abril 06, 2006

Ensinar a ouvir....

O princípio básico para ensinar a ouvir (reconhecer/discriminar) é: Demonstrar auditivamente da forma mais abrangente possível o fenómeno que se quer ensinar.

Por exemplo, se quer ensinar alguém a reconhecer auditivamente a cadência perfeita, deverá demonstrar como soam as cadências perfeitas. Fazê-lo de forma abrangente implica demonstrá-las em diferentes contextos musicais, diferentes estilos, onde a sensação pode ser 'isolada' mesmo quando variamos o ritmo melódico, o ritmo harmónico, a tessitura, o carácter e o tempo.

quinta-feira, março 30, 2006

A memória de um Instrumentista II

Como é possível articular tanta informação numa performance?

Quando um intrumentista (ou aspirante a instrumentista) lê ou estuda/aprende uma peça nova, o que faz é assimilar toda a informação (visual, motora, auditiva) relacionada com essa nova peça. De uma forma um pouco simplista o que fazemos, dado que seria impossível memorizar de forma isolada ou separada cada informação (cada movimento do dedo, cada nota, cada célula rítmica, cada acorde...) é articular e compactar blocos de informação. Quando um instrumentista é chamado a executar a peça, o que na realidade faz é descompactar blocos de informações e de comandos, bloco por bloco, pela ordem que foram estruturados previamente.

quarta-feira, março 29, 2006

A memória de um instrumentista

O que tem de guardar a memória de um instrumentista?

Tem de guardar uma estrutura complexa de informações auditivas, visuais e cinestésicas, que são activadas no momento de executar uma peça no seu instrumento.

As informações auditivas de que estamos a falar envolvem: contorno melódico, qualidade tímbrica, movimento harmónico, ritmo, intensidade, condução de vozes, afinação ... que por sua vez estão ligadas com as informações visuais que lhe estão associadas: a notação, a posição da mão, a distância do dedo, ... e com as informações cinestésicas que lhe estão associadas: a pressão dos dedos, o controlo da respiração, a velocidade da digitação, a pressão dos lábios, o balanço do corpo... tudo efectuado ao nível da motricidade fina.

Qual é o segredo da articulação de informação tão vasta e complexa?

domingo, março 19, 2006

O dilema da escolha do instrumento... II

Pode parecer estranho, mas há escolas públicas de ensino especializado de música que no acesso exigem que ciranças entre os 6 e os 8 anos de idade: 1. saibam que instrumento vão querer aprender e/ou 2. saibam tocar 'peças' preparadas na altura da realização a prova.

Ao fazer isto, as escolas estão promover duas coisas:
1. O recurso por parte dos encarregados de educação a professores particulares para ensinar a criança a 'tocar qualquer coisa no instrumento' para depois poder apresentar na prova... (eu pergunto-me se esse tipo de formação não caberia já à escola pública de ensino especializado!)
2. Como o conhecimento dos pais ao nível dos instrumentos é limitado, dá-se um fenómeno consequente => há uma concentração de candidaturas em instrumentos tais como o piano ou o violino, ficando outros instrumentos de menor projecção e visibilidade pública, tais como a violeta, o oboé e o fagote com um menor número de candidatos e eventualmente com candidatos de menor potencial de aprendizagem.

As consequências para a escola, verificam-se ao nível da distribuição dos alunos pelos diferentes instrumentos, e consequentemente no seu equilíbrio conjuntural. No entanto, o problema maior a registar tem que ver com os índices de desistência dos alunos ao longo do percurso escolar. São necessários elevados índices de motivação, muitas horas de trabalho e estudo. Quantos são os que, tendo sido de certa forma obrigados a escolher um instrumento com 6, 7 ou 8 anos, conseguiram prosseguir os seus estudos de modo a atingir um nível superior de formação?

As escolas públicas de ensino especializado precisam de rever urgentemente a sua estratégia de admissão de novos alunos ao nível das iniciações.

sexta-feira, março 17, 2006

O dilema da escolha do instrumento...

A escolha de um instrumento depende de factores passionais.

No panorama que encontramos hoje nas escolas de ensino especializado, onde há um crescente número de admissões por parte de crianças, os factores passionais são sobretudo determinados pelos factores passionais dos pais. Assim, a escolha recai usualmente no instrumento que o pai ou a mãe gostariam de ter estudado, aprendido, ou que por alguma outra razão emocional (e financeira) escolhem para os filhos. Este lamentável processo de projecção prejudica as crianças, na medida em que o trabalho e o estudo que são necessários para desenvolver competências técnicas e musicais estão presos por um fio ténue que é: querer agradar ao pai/mãe.

Os resultados serão superiores a todos os níveis (evolução técnica e musical, níveis superiores de quantidade/qualidade de trabalho efectuado em casa, motivação para vencer barreiras técnicas e musicais...) se a escolha de um instrumento por parte de uma criança corresponder às suas paixões. Para poder fazer uma escolha consciente a criança, idealmente, deverá ouvir e experimentar um largo leque de instrumentos.

Quantos de nós não teríamos escolhido conscientemente outro instrumento para estudar, se tivessemos a oportunidade de escolha quando começámos os nossos estudos?

quinta-feira, março 16, 2006

Por onde começar?

Primeiro de tudo, e antes sequer de pensar em estudar um instrumento, deverá, quem estiver interessado em aprender música, aprender a escutar. Isto implica aprender a ouvir, reconhecer, comparar, identificar, entender (sensorialmente) os elementos que compõem a música.

Se tentar aprender um instrumento sem antes compreender como funciona o som nas suas diversas vertentes (rítmica, melódica e harmónica), terá então enormes probablilidades de não ter sucesso na sua aprendizagem.

quarta-feira, março 15, 2006

O que é 'saber música'?´II

Poderíamos colocar a questão ainda de outra forma: O que é 'saber português?' Compreender e articular frases numa qualquer língua, não implica que para isso tenha de se saber ler ou escrever. Não se discutem aqui as vantagens práticas que daí adviriam, mas de facto, que alguém só é capaz de ler, escrever e entender o que leu ou escreveu se 'souber português'.

Portanto, saber a respeito de uma língua, significa (em termos simplificados) que compreende a sintaxe e o vocabulário dessa língua, e que de alguma forma consegue usar esse vocabulário e as regras de formulação sintática para comunicar, exprimir em sentenças aquilo que pensa ou deseja.

Embora a música não seja em todas as vertentes similar a uma qualquer língua materna, possui no entanto muitas características similares. Uma dessas similitudes tem que ver com o tema em discussão: Não é a compreensão do código escrito que determina a compreensão dos fenómenos musicais.

Alguém que 'sabe música' usa as ferramentas musicais necessárias para interpretar, compreender e produzir 'discurso musical' nas suas mais variadas formas.

O que é 'saber música'?

'Saber música' é uma expressão do quotidiano e que é vulgarmente utilizada para identificar alguém que sabe ler a notação músical. Algumas pessoas acham que até conseguem tocar algumas melodias num qualquer instrumento, mas como não conseguem entender a notação rítmica, ou descobrir as notas escritas numa partitura em clave de fá, concluem prontamente que não sabem música.

Esta ideia tão enraizada na sociedade que o 'saber música' está associado à compreensão da notação musical tem origem, em parte, na mudança de plano que a música e os músicos passaram a ter em meados do século XIX. Está também relacionada com os elevados níveis técnicos e musicais que são exigidos para tocar a música dos nossos dias. A importância crescente dada quer à história quer aos objectos históricos, fez crescer também o valor relativo daquilo que em tempos foi simplesmente o 'registo escrito' para fins práticos para níveis muito próximos da sacralização.

No entanto, estará o conceito vulgar desta expressão correctamente aplicado?

Se pensarmos que a música é um fenómeno cuja compreensão e execução depende de sensações auditivas, e que alguém que toca um instrumento (seja ele qual fôr, qualquer que seja o tipo de música) em termos práticos o que faz é manipular o instrumento de modo a produzir o tipo de construção sonora que deseja (ao nível da melodia, da harmonia, ou do ritmo...), mesmo que o faça sem o recurso à descodificação da partitura!, não será essa pessoa alguém que 'sabe música'?

terça-feira, março 14, 2006

Aprender música?

Há, espalhada no ar, a sensação que conseguir aprender música é um feito quase divino. Razões para crer nisso? São muitas as que são evocadas: Uma notação estranhíssima, um tipo de compreensão dos diversos fenómenos sonoros que escapa à população que não estudou música (eu diria mesmo que escapa até a parte da população que estudou música), uma capacidade para manipular os complexos movimentos físicos associados à execução de um instrumento musical, e assim por diante.

Porém, não é essa a minha impressão do assunto, e pretendo explicar as razões pelo tempo que este blog durar.
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